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terça-feira, 16 de novembro de 2021

 

 As garças

Por Paulo Santos


Garça no Lago do bairro Solar dos Lagos

               Todas as tardes, mansamente, precedendo a noite, o crepúsculo traz nos dias de sol a gama de cores no céu, que varia do dourado ao púrpura. As copas das árvores mais altas formam silhuetas que parecem uma multidão esperando a abertura do espetáculo. Também sou multidão e estou à espera. A princípio, timidamente, elas começam a surgir em bandos de três, quatro, trinta, quarenta, cinquenta, em duplas ou solitárias, voando baixo num reconhecimento prévio. Há muitas árvores ao redor do lago, mas elas sabem que apenas uma ou duas dentre todas será seu abrigo em todas as noites da sua estação. São pequenas as garças; alvas, graciosas, decididas. Há um ritual a ser cumprido. Algumas rodeiam a árvore destino e pousam em outras ao redor. Parecem aguardar um sinal e quando ele vem, Deus sabe de onde, elas alçam breve voo e se instalam, após pequeno alarido, nos seus galhos preferidos. Outras dirigem-se diretamente à árvore, mas, sem a devida permissão, têm de voar outra vez, pousar próximo e ficar esperando ordem para instalação. Quando a ouvem, precipitam-se à procura do seu lugar e, após ligeira confraternização, aquietam-se. Esperamos pelas retardatárias e, à medida que a noite avança, mais velozes elas chegam, nos mesmos moldes de conluio ou solidão. Obedecem ao mesmo ritual e esperam pela escuridão. Vejo, invejo-as e teço milhares de perguntas. Por onde andaram? Que distância percorreram? Quem é o líder? Como foi escolhido? Como encontram o caminho de volta? No trajeto, presenciaram algum ato de vileza cometido por algum humano trágico? Viram paisagens incólumes à ação do homem? Comove-me pensar em sua jornada, feita sem discussões ou planos prévios, com absoluta convicção do que deve e não pode ser feito. Da inevitabilidade do amanhecer/anoitecer, com chuva ou sol, e do caminho a ser percorrido. Nós nunca teremos isto! A noite chega e com ela as derradeiras aves que ainda precisam executar o ritual diário. Como que coberta pela neve, a enorme árvore se funde, pálida mancha, ao negror da noite. Sinto no peito, sem saber explicar, a dor da saudade. Anseio pelos lugares onde nunca estive, dos montes e vales que nunca transpus, das límpidas cascatas onde não saciei minha sede, das cidades e civilizações cuja linguagem não aprendi. Que saudade daquilo que não vi, vivi ou venci! Recolho-me à insignificância da vida que não me permite vislumbrar o que está além do horizonte e que torna menor e mais triste o meu mundo. Se elas podem voar, por que não eu?

*Paulo Santos publicou seu primeiro livro intitulado "O Caminho de um Só", um eBook Kindle - livro digital na plataforma da Amazon no final de abril. O segundo livro do escritor será lançado, em breve, para o deleite de seus leitores.

Quer saber mais: 

www.correiodopapagaio.com.br/sao_lourenco/noticias/quem-c-o-escritor-residente-em-so-loureno-que-viralizou-nas-redes-sociais



 

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